Como ensinar Consentimento para
Crianças em 5 passos simples
26 de
fevereiro de 2015 por Michelle Dominique Burk
(Aviso de gatilho (Trigger Warning): abuso
sexual, comportamento sexual impróprio.)
Uma das
notícias mais polêmicas de 2014 foi o lançamento do livro de memórias de Lena
Dunham “Not That Kind of Girl” (Não sou aquele tipo de garota) - e, em
particular, os capítulos do livro em ela que relata sua relação de infância com
a irmã mais nova, Grace.
Grande parte
das críticas do livro envolve várias passagens onde Dunham descreve subornar sua
irmã por beijos, masturbar ao lado dela na cama, abrir a vagina de sua irmã,
enquanto ela brinca na entrada da garagem, e fazendo, nas palavras de Dunham
"basicamente tudo que um predador sexual faria para conquistar uma pequena
menina suburbana"
Muitos
críticos da Dunham alegam que esses atos eram indicativos de abuso sexual por
parte de Dunham. Dunham, em sua resposta a estas alegações, nega veementemente
que esses atos eram sexualmente abusivos. Ela postula que esses comportamentos
são comportamentos naturais de crianças, e que ela, de modo algum, considera-se
uma abusadora.
Há uma
quantidade substancial de literatura escrita (incluindo aqui no Diário
Feminismo) sobre o fato das ações de Dunham constituírem ou não abuso sexual, escrita
tanto por seus apoiadores como por seus detratores.
Independentemente
disso, uma questão que tem sido trazida à tona devido ao foco da mídia sobre o
livro “Not That Kind of Girl” é como ensinamos as crianças a dar, receber e compreender
"consentimento".
Se você
considera ou não as ações de Dunham como sexualmente abusivas, permanece o fato
de que, em nenhum dos casos descritos Dunham teve o consentimento da irmã mais
nova para suas ações. Mais importante ainda, não está claro se Dunham - como
uma criança – realmente entendeu o significado de consentimento.
Por que as crianças devem começar
a aprender sobre Consentimento o mais rápido possível?
A forma como
o consentimento tem sido colocado para a maioria das crianças - nos casos em este
tem sido explicitamente abordado - é quando nós costumamos dizer às crianças
algo do tipo: "Se alguém diz 'não', então você precisa respeitá-lo(a)."
Embora esta seja uma lição importante, normalmente a discussão pára por aí.
E ao simplesmente
enquadrar todos os aspectos do consentimento nesta frase “não-significa-não”
perde-se vários componentes-chave do consentimento que são essenciais para as
crianças aprenderem e utilizarem assim que começam a desenvolver suas relações
interpessoais.
Discutir
consentimento com uma criança apenas dessa forma supõe que "não" é a
única forma de não consentimento possível. Isso não é verdade, e quando as
crianças aprendem sobre o consentimento desta forma, eles podem crescer com uma
sensação de ambiguidade sobre o que constitui o consentimento. Porque discutir
todos os aspectos que envolvem limites e consentimento pode ser demasiado desgastante
- especialmente quando se tenta explicá-las a uma criança - muitos adultos se
coíbem para falar com as crianças sobre o consentimento de forma compreensiva.
No entanto,
discutir consentimento com as crianças de forma a reconhecer suas várias
facetas é extremamente importante porque, na medida em que elas passam pela a
adolescência e idade adulta, a forma como elas aprenderam sobre o consentimento
na infância vai informar como elas vão interagir com outros adultos e crianças em
suas próprias relações interpessoais.
Como ensinar Consentimento
O ensino do
consentimento para as crianças pode ser feito de várias maneiras, e nem sempre
tem que ser sob a forma de uma longa discussão (embora essas discussões sejam
importantes, também). Na verdade, o ensino de consentimento é um processo
contínuo em que diferentes cenários surgem na medida em que as crianças crescem
e aprendem coisas novas, e cada cenário apresenta as suas próprias questões
sobre as regras do consentimento. Em geral, há algumas regras que você pode
discutir com as crianças que podem ajudá-las a entender os conceitos básicos de
consentimento e ajudá-las a reagir adequadamente quando confrontados com novas
situações.
Aqui estão
cinco passos simples a seguir ao ensinar as crianças sobre o consentimento:
1. Ensine-as a pedir
Consentimento
Em sua
maioria, as crianças não têm intenção de propositalmente ferir os outros. Se
uma criança interage fisicamente com outra criança sem pedir (seja levando o
brinquedo de outra criança, abraçando-a, empurrando-a, etc) normalmente é
porque ela ainda não foi ensinada que ela deveria pedir o consentimento.
É fácil
responder retroativamente a uma criança que já interagiu fisicamente com outra
criança e obteve uma reação negativa. Por exemplo, na situação em que uma
criança abraça outra criança e essa criança começa a chorar, neste caso estaríamos
mais inclinados a reagir do que em um caso em que a criança abraça a outra e
nada acontece.
Ou seja, nós
não costumamos ver algo como um "problema" até que seja problema
sério. Crianças agem por impulso, e às vezes elas têm atitudes que não são
apropriadas, sem perceber que suas ações são inadequadas. Este é o momento em
que ensinar as crianças a pedir consentimento primeiro é importante.
Ensinar as
crianças a perguntar: "Está tudo bem se eu...?" Antes de tocar em
outra pessoa é essencial quando estamos tentando ajudá-los a compreender consentimento.
As crianças devem ser ensinadas a fazer esta pergunta sempre que elas vão
interagir fisicamente com outra criança. Isso não só as ajuda a compreender que
é importante pedir permissão antes de tocar em alguém, mas ajuda no controle de
impulsos.
Quando uma
criança sabe que não importa a situação, elas devem pedir permissão antes de
tocar em alguém, cria-se um passo extra em seu processo de pensamento: Em vez
de ir do impulso de “querer agarrar o braço de alguém” para imediatamente
fazê-lo, eles se vêem obrigados a parar para pensar antes de ter a reação.
2. Explique que o consentimento
pode ser dado ou retirado a qualquer momento
Um aspecto
sobre o consentimento que muitas vezes torna-se confuso para crianças e adultos
é se o consentimento pode ou não ser retirado, uma vez que ele é dado
inicialmente. Em suma, sim. Ele pode ser retirado. Somente porque alguém lhe
deu consentimento para tocá-lo uma vez, isso não significa que esse
consentimento foi dado por um tempo indeterminado. O consentimento pode ser retirado a qualquer momento durante qualquer
interação.
Esta questão
é frequentemente ignorada quando falamos de consentimento com as crianças, pois
é algo que ainda se apresenta de forma ambígua para nós mesmos (tanto
individualmente e quanto sociedade). Um medo que muitos sobreviventes de
violência sexual têm quando consideram se devem ou não denunciar o ataque
sofrido, é que estes temem que, se previamente consentiram o contato físico com
seu agressor, então qualquer contato físico subsequente com ele estará
legalmente permitido, tendo a vítima consentido no momento ou não. Isso acontece frequentemente em relação à
agressão sexual de parceiros e “date rape” (estupros que ocorrem quando o
agressor marca um encontro com a vítima). Como a vítima tem uma familiaridade
com seu estuprador, ela acredita que a pessoa tem o direito ao contato físico,
devido à natureza do relacionamento.
É importante
explicar às crianças que, mesmo no meio de um encontro físico, o consentimento
pode ser removido, e o consentimento à uma forma de contato físico não
significa automaticamente que se tenha consentido à qualquer forma de contato
físico. Consentir a um abraço, não significa que a pessoa também tenha
consentido a um beijo ou qualquer outra forma de contato físico, e familiaridade
com uma pessoa também não significa consentimento.
Quando
discutimos isso com as crianças, é fundamental explicar a importância de
verificar frequentemente - com quem quer seja que estão interagindo – para ter
a certeza de que o que estão fazendo está OK.
3. Discuta a importância do
"não"
Dar e remover
consentimento deve ser entendido da mesma forma entre as crianças, assim como
entre crianças e adultos. Uma criança nunca deve ser forçada a interagir
fisicamente com um adulto. Nunca. Sim, mesmo nos casos em que o adulto é um
parente, amigo da família, professor, treinador, e assim por diante. Ao
discutir o consentimento com crianças, você deve explicar que elas não têm
obrigação nenhuma de aceitar serem abraçadas, beijadas, tocadas, ou de interagir
fisicamente com por outra pessoa, não importa o relacionamento.
Muitas
vezes, nós forçamos as crianças a abraçar os familiares, a receber um tapinha
nas costas do treinador, ou dar um beijo no rosto de um amigo da família,
porque isso nos parece inofensivo. No caso em que uma criança diz: "Eu não
quero", elas são muitas vezes encaradas com desaprovação - e, em seguida,
são obrigadas a fazê-lo de qualquer maneira.
Forçar uma
criança a fazer essas coisas não só as ensina que o "não" não é uma
resposta aceitável, mas principalmente, implica que a sua recusa não é aceita
ou respeitada. O que isto acarreta é que se cria uma situação em que uma
criança acredita que isso valerá não somente em relação às pessoas que eles
conhecem, mas também quando interagirem com as pessoas que elas não conhecem.
Em alguns
casos, a aversão de uma criança para ser tocada por uma pessoa em particular
pode até ser motivo para alarme. Se uma criança expressa que ela não se sente
confortável sendo tocada por alguém, seus sentimentos devem ser respeitados,
e então você pode ter uma discussão sobre as razões pelas quais a criança não
se sente confortável perto daquela pessoa.
A conversa
sobre a importância do "não" não deve ser aquela em que se diz às
crianças: "Nunca deixe que um estranho toque você se você não quer". Deve
uma conversa em se diz às crianças: "Você não tem que deixar ninguém tocar
em você, se você não quer”.
4. Ajude-a compreender a
diferença entre “não responder” e o “consentir entusiasticamente”
A definição de
consentimento entusiástico é esta: um ativo, visível, inegável "sim".
Geralmente a
idéia de consentimento entusiástico fica no âmbito das discussões sobre
interações sexuais. No entanto, a introdução da idéia de consentimento entusiástico
logo na infância ao discutir o consentimento com crianças pode eliminar aquele
sentimento de ambiguidade que poderia surgir no decorrer de sua vida.
A discussão
de consentimento entusiástico não diz respeito especificamente aos atos
sexuais. Essa discussão com crianças pode abranger por exemplo, o fato de que uma não-resposta não é a mesma coisa que
dizer "sim". Uma inabilidade
de vocalizar um "não" pode acontecer por uma série de razões: medo de
repercussões, sentimentos de desconforto, uma deficiência, e assim por diante.
Por isso, é importante explicar aos filhos que só porque alguém não disse
"não", não significa que eles estão, definitivamente, dizendo
"sim". O mesmo vale para a questão anterior sobre pedir permissão
para tocar alguém. Se uma criança pede permissão à outra para abraçá-la, e se esta
não disser “não”, isso não significa que está bem para a primeira abraçá-la.
O que
precisa acontecer antes que o contato físico seja feito é a segunda criança
dizer: "Sim, tudo bem você me abraçar". Se o "sim" não
acontece, então ela não deve ser tocada. Esta é a forma de se ensinar
consentimento entusiástico. Não importa a circunstância. Se a pessoa não
responder com um "sim", então você não pode tocá-lo.
5. Siga suas próprias regras de
Consentimento
Crianças são
facilmente influenciadas. Portanto, como um adulto, você tem que seguir suas
próprias regras para o consentimento. Crianças
assistem os adultos em assim aprendem as formas adequadas para interagir em
suas próprias relações interpessoais. Se você não pedir consentimento, se
você ignorar a palavra "não", ou se você forçar consentimento sobre a
outra pessoa, não importa o que você diga a esta criança, porque estas regras
ficarão invalidadas por suas próprias ações.
Você nunca
deve forçar uma criança a interagir fisicamente com você sem antes pedir o seu
consentimento. Se ela diz "não", você não deve dizer-lhe que está
errada ou forçá-la a interagir com você de qualquer maneira. Além disso, as
regras para o consentimento que você acordou com uma criança devem ser aplicadas
em todas as situações. As crianças devem entender que não importa se eles estão
em casa, na casa de um amigo, na escola, ou no parque infantil - as regras
sobre o consentimento se aplicam em todo e qualquer lugar.
Permissão ao invés de Perdão
Conversas
sobre consentimento - especialmente se essas conversas são com crianças - nem
sempre são fáceis de se ter. Eles são, no entanto, necessárias se nós pretendemos
criar uma sociedade em que o consentimento é compreendido e respeitado por
adultos e crianças da mesma forma.
É muito importante
começar a conversar e ter essas discussões com as crianças desde muito pequenas,
desta forma, as decisões que elas tomarão à medida que avançam ao longo da adolescência
e na vida adulta, serão informadas por sua compreensão do que significa dar e
receber consentimento.
Link Original: http://everydayfeminism.com/2015/02/how-to-teach-consent-to-kids/