Wednesday, 4 March 2015

A importância de ensinar o consentimento para as crianças

Por considerar esse um assunto de extrema importância, resolvi traduzí-lo para o português e compartilhá-lo aqui. Veja abaixo o link original para o texto em Inglês. Boa leitura!



Como ensinar Consentimento para Crianças em 5 passos simples

26 de fevereiro de 2015 por Michelle Dominique Burk

 (Aviso de gatilho (Trigger Warning): abuso sexual, comportamento sexual impróprio.)

Uma das notícias mais polêmicas de 2014 foi o lançamento do livro de memórias de Lena Dunham “Not That Kind of Girl” (Não sou aquele tipo de garota) - e, em particular, os capítulos do livro em ela que relata sua relação de infância com a irmã mais nova, Grace.
Grande parte das críticas do livro envolve várias passagens onde Dunham descreve subornar sua irmã por beijos, masturbar ao lado dela na cama, abrir a vagina de sua irmã, enquanto ela brinca na entrada da garagem, e fazendo, nas palavras de Dunham "basicamente tudo que um predador sexual faria para conquistar uma pequena menina suburbana"

Muitos críticos da Dunham alegam que esses atos eram indicativos de abuso sexual por parte de Dunham. Dunham, em sua resposta a estas alegações, nega veementemente que esses atos eram sexualmente abusivos. Ela postula que esses comportamentos são comportamentos naturais de crianças, e que ela, de modo algum, considera-se uma abusadora.

Há uma quantidade substancial de literatura escrita (incluindo aqui no Diário Feminismo) sobre o fato das ações de Dunham constituírem ou não abuso sexual, escrita tanto por seus apoiadores como por seus detratores.

Independentemente disso, uma questão que tem sido trazida à tona devido ao foco da mídia sobre o livro “Not That Kind of Girl” é como ensinamos as crianças a dar, receber e compreender "consentimento".

Se você considera ou não as ações de Dunham como sexualmente abusivas, permanece o fato de que, em nenhum dos casos descritos Dunham teve o consentimento da irmã mais nova para suas ações. Mais importante ainda, não está claro se Dunham - como uma criança – realmente entendeu o significado de consentimento.

Por que as crianças devem começar a aprender sobre Consentimento o mais rápido possível?

A forma como o consentimento tem sido colocado para a maioria das crianças - nos casos em este tem sido explicitamente abordado - é quando nós costumamos dizer às crianças algo do tipo: "Se alguém diz 'não', então você precisa respeitá-lo(a)." Embora esta seja uma lição importante, normalmente a discussão pára por aí.

E ao simplesmente enquadrar todos os aspectos do consentimento nesta frase “não-significa-não” perde-se vários componentes-chave do consentimento que são essenciais para as crianças aprenderem e utilizarem assim que começam a desenvolver suas relações interpessoais.

Discutir consentimento com uma criança apenas dessa forma supõe que "não" é a única forma de não consentimento possível. Isso não é verdade, e quando as crianças aprendem sobre o consentimento desta forma, eles podem crescer com uma sensação de ambiguidade sobre o que constitui o consentimento. Porque discutir todos os aspectos que envolvem limites e consentimento pode ser demasiado desgastante - especialmente quando se tenta explicá-las a uma criança - muitos adultos se coíbem para falar com as crianças sobre o consentimento de forma compreensiva.

No entanto, discutir consentimento com as crianças de forma a reconhecer suas várias facetas é extremamente importante porque, na medida em que elas passam pela a adolescência e idade adulta, a forma como elas aprenderam sobre o consentimento na infância vai informar como elas vão interagir com outros adultos e crianças em suas próprias relações interpessoais.

Como ensinar Consentimento

O ensino do consentimento para as crianças pode ser feito de várias maneiras, e nem sempre tem que ser sob a forma de uma longa discussão (embora essas discussões sejam importantes, também). Na verdade, o ensino de consentimento é um processo contínuo em que diferentes cenários surgem na medida em que as crianças crescem e aprendem coisas novas, e cada cenário apresenta as suas próprias questões sobre as regras do consentimento. Em geral, há algumas regras que você pode discutir com as crianças que podem ajudá-las a entender os conceitos básicos de consentimento e ajudá-las a reagir adequadamente quando confrontados com novas situações.

Aqui estão cinco passos simples a seguir ao ensinar as crianças sobre o consentimento:

1. Ensine-as a pedir Consentimento

Em sua maioria, as crianças não têm intenção de propositalmente ferir os outros. Se uma criança interage fisicamente com outra criança sem pedir (seja levando o brinquedo de outra criança, abraçando-a, empurrando-a, etc) normalmente é porque ela ainda não foi ensinada que ela deveria pedir o consentimento.

É fácil responder retroativamente a uma criança que já interagiu fisicamente com outra criança e obteve uma reação negativa. Por exemplo, na situação em que uma criança abraça outra criança e essa criança começa a chorar, neste caso estaríamos mais inclinados a reagir do que em um caso em que a criança abraça a outra e nada acontece.

Ou seja, nós não costumamos ver algo como um "problema" até que seja problema sério. Crianças agem por impulso, e às vezes elas têm atitudes que não são apropriadas, sem perceber que suas ações são inadequadas. Este é o momento em que ensinar as crianças a pedir consentimento primeiro é importante.

Ensinar as crianças a perguntar: "Está tudo bem se eu...?" Antes de tocar em outra pessoa é essencial quando estamos tentando ajudá-los a compreender consentimento. As crianças devem ser ensinadas a fazer esta pergunta sempre que elas vão interagir fisicamente com outra criança. Isso não só as ajuda a compreender que é importante pedir permissão antes de tocar em alguém, mas ajuda no controle de impulsos.

Quando uma criança sabe que não importa a situação, elas devem pedir permissão antes de tocar em alguém, cria-se um passo extra em seu processo de pensamento: Em vez de ir do impulso de “querer agarrar o braço de alguém” para imediatamente fazê-lo, eles se vêem obrigados a parar para pensar antes de ter a reação.

2. Explique que o consentimento pode ser dado ou retirado a qualquer momento

Um aspecto sobre o consentimento que muitas vezes torna-se confuso para crianças e adultos é se o consentimento pode ou não ser retirado, uma vez que ele é dado inicialmente. Em suma, sim. Ele pode ser retirado. Somente porque alguém lhe deu consentimento para tocá-lo uma vez, isso não significa que esse consentimento foi dado por um tempo indeterminado. O consentimento pode ser retirado a qualquer momento durante qualquer interação.

Esta questão é frequentemente ignorada quando falamos de consentimento com as crianças, pois é algo que ainda se apresenta de forma ambígua para nós mesmos (tanto individualmente e quanto sociedade). Um medo que muitos sobreviventes de violência sexual têm quando consideram se devem ou não denunciar o ataque sofrido, é que estes temem que, se previamente consentiram o contato físico com seu agressor, então qualquer contato físico subsequente com ele estará legalmente permitido, tendo a vítima consentido no momento ou não. Isso acontece frequentemente em relação à agressão sexual de parceiros e “date rape” (estupros que ocorrem quando o agressor marca um encontro com a vítima). Como a vítima tem uma familiaridade com seu estuprador, ela acredita que a pessoa tem o direito ao contato físico, devido à natureza do relacionamento.

É importante explicar às crianças que, mesmo no meio de um encontro físico, o consentimento pode ser removido, e o consentimento à uma forma de contato físico não significa automaticamente que se tenha consentido à qualquer forma de contato físico. Consentir a um abraço, não significa que a pessoa também tenha consentido a um beijo ou qualquer outra forma de contato físico, e familiaridade com uma pessoa também não significa consentimento.

Quando discutimos isso com as crianças, é fundamental explicar a importância de verificar frequentemente - com quem quer seja que estão interagindo – para ter a certeza de que o que estão fazendo está OK.

3. Discuta a importância do "não"

Dar e remover consentimento deve ser entendido da mesma forma entre as crianças, assim como entre crianças e adultos. Uma criança nunca deve ser forçada a interagir fisicamente com um adulto. Nunca. Sim, mesmo nos casos em que o adulto é um parente, amigo da família, professor, treinador, e assim por diante. Ao discutir o consentimento com crianças, você deve explicar que elas não têm obrigação nenhuma de aceitar serem abraçadas, beijadas, tocadas, ou de interagir fisicamente com por outra pessoa, não importa o relacionamento.

Muitas vezes, nós forçamos as crianças a abraçar os familiares, a receber um tapinha nas costas do treinador, ou dar um beijo no rosto de um amigo da família, porque isso nos parece inofensivo. No caso em que uma criança diz: "Eu não quero", elas são muitas vezes encaradas com desaprovação - e, em seguida, são obrigadas a fazê-lo de qualquer maneira.

Forçar uma criança a fazer essas coisas não só as ensina que o "não" não é uma resposta aceitável, mas principalmente, implica que a sua recusa não é aceita ou respeitada. O que isto acarreta é que se cria uma situação em que uma criança acredita que isso valerá não somente em relação às pessoas que eles conhecem, mas também quando interagirem com as pessoas que elas não conhecem.
Em alguns casos, a aversão de uma criança para ser tocada por uma pessoa em particular pode até ser motivo para alarme. Se uma criança expressa que ela não se sente confortável ​​sendo tocada por alguém, seus sentimentos devem ser respeitados, e então você pode ter uma discussão sobre as razões pelas quais a criança não se sente confortável perto daquela pessoa.

A conversa sobre a importância do "não" não deve ser aquela em que se diz às crianças: "Nunca deixe que um estranho toque você se você não quer". Deve uma conversa em se diz às crianças: "Você não tem que deixar ninguém tocar em você, se você não quer”.

4. Ajude-a compreender a diferença entre “não responder” e o “consentir entusiasticamente”

A definição de consentimento entusiástico é esta: um ativo, visível, inegável "sim".

Geralmente a idéia de consentimento entusiástico fica no âmbito das discussões sobre interações sexuais. No entanto, a introdução da idéia de consentimento entusiástico logo na infância ao discutir o consentimento com crianças pode eliminar aquele sentimento de ambiguidade que poderia surgir no decorrer de sua vida.

A discussão de consentimento entusiástico não diz respeito especificamente aos atos sexuais. Essa discussão com crianças pode abranger por exemplo, o fato de que uma não-resposta não é a mesma coisa que dizer "sim".  Uma inabilidade de vocalizar um "não" pode acontecer por uma série de razões: medo de repercussões, sentimentos de desconforto, uma deficiência, e assim por diante. Por isso, é importante explicar aos filhos que só porque alguém não disse "não", não significa que eles estão, definitivamente, dizendo "sim". O mesmo vale para a questão anterior sobre pedir permissão para tocar alguém. Se uma criança pede permissão à outra para abraçá-la, e se esta não disser “não”, isso não significa que está bem para a primeira abraçá-la.

O que precisa acontecer antes que o contato físico seja feito é a segunda criança dizer: "Sim, tudo bem você me abraçar". Se o "sim" não acontece, então ela não deve ser tocada. Esta é a forma de se ensinar consentimento entusiástico. Não importa a circunstância. Se a pessoa não responder com um "sim", então você não pode tocá-lo.

5. Siga suas próprias regras de Consentimento

Crianças são facilmente influenciadas. Portanto, como um adulto, você tem que seguir suas próprias regras para o consentimento. Crianças assistem os adultos em assim aprendem as formas adequadas para interagir em suas próprias relações interpessoais. Se você não pedir consentimento, se você ignorar a palavra "não", ou se você forçar consentimento sobre a outra pessoa, não importa o que você diga a esta criança, porque estas regras ficarão invalidadas por suas próprias ações.

Você nunca deve forçar uma criança a interagir fisicamente com você sem antes pedir o seu consentimento. Se ela diz "não", você não deve dizer-lhe que está errada ou forçá-la a interagir com você de qualquer maneira. Além disso, as regras para o consentimento que você acordou com uma criança devem ser aplicadas em todas as situações. As crianças devem entender que não importa se eles estão em casa, na casa de um amigo, na escola, ou no parque infantil - as regras sobre o consentimento se aplicam em todo e qualquer lugar.

Permissão ao invés de Perdão

Conversas sobre consentimento - especialmente se essas conversas são com crianças - nem sempre são fáceis de se ter. Eles são, no entanto, necessárias se nós pretendemos criar uma sociedade em que o consentimento é compreendido e respeitado por adultos e crianças da mesma forma.


É muito importante começar a conversar e ter essas discussões com as crianças desde muito pequenas, desta forma, as decisões que elas tomarão à medida que avançam ao longo da adolescência e na vida adulta, serão informadas por sua compreensão do que significa dar e receber consentimento.

Link Original: http://everydayfeminism.com/2015/02/how-to-teach-consent-to-kids/

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