Wednesday, 10 September 2014

Sobre a Laqueadura e a ingratidão de certos homens

Há muitas, mas muitas coisas que me revoltam na questão do tratamento desigual em relação às mulheres. Mas sobre uma certa desigualdade eu gostaria de falar hoje, porque essa me revolta muito:

A Laqueadura Tubárea


Ontem conversei com uma pessoa que tem 1 filho de 7 anos, sofreu 1 aborto e perdeu 1 bebê com 5 meses, não quero nem imaginar o sofrimento que essa pobre mãe passou. Ela está grávida e disse que vai fazer cesárea, porque já teve outra cesárea, e já vai aproveitar pra fazer laqueadura. Bom, começando pelo "fazer cesárea, porque já teve outra cesárea", eu nem vou falar muito à esse respeito, vou deixar para os meus outros posts sobre o parto natural e humanizado e sobre todo meu ativismo à esse respeito. Mas em suma, é além de possível, mais seguro, fazer um parto normal após uma cesárea que aconteceu há 7 anos do que uma nova cesárea. Outra questão é que, pelo que tenho informação, a laqueadura seguida ao nascimento é proibida por lei aqui.
Mas voltando à questão da laqueadura, eu perguntei à ela, "mas seu marido não faria vasectomia?" E ela respondeu: "Ele não quer fazer porque tem medo".

Isso me deixa realmente, absurdamente, indignada com a atitude dos homens. Aqui no Brasil, nessa nossa cultura machista, a grande maioria dos homens pensa assim: "não quero fazer, estou com medo, sei lá o quê isso pode causar no meu pênis..." e por aí vai!
Mas será que eles não pensam na mulher? Na sua companheira? Não pensam que ela também tem medo? De ter que fazer uma cirurgia, 7 camadas cortadas, anestesia rack ou peridural com todos os seus efeitos colaterais, 40 dias de recuperação etc etc?? Os tubos cortados ou amarrados, e o lance das energias (pra quem acredita nisso) que devido a esse "bloqueio" as energias não fluirão mais naturalmente no corpo da mulher? Eu acredito nisso.
A vasectomia é uma pequena cirurgia, com anestesia local, 2 pequenos cortes dos 2 lados do saco escrotal, no DIA SEGUINTE o homem já está recuperado e andando e fazendo o que tiver que fazer, ao menos foram essas as informações dadas pela assistente social em nossa entrevista sobre as 2 opções.

Nós mulheres somos quem tomamos anticoncepcional pela vida toda, lembrando que esses são hormônios sintéticos que afetam nosso humor, nossa libido, nosso apetite, enfim que afetam nosso organismo de forma geral. Somos nós que carregamos o bebê por 9 meses na nossa barriga, e eu sei que é maravilhoso, mas também é muito difícil, muitas de nós assim como eu, passamos por 13 longas semanas de enjôo e mal estar, e no fim também temos dificuldade de andar, ficamos inchadas, com dor de estômago, queimação... Somos nós que parimos, seja por parto normal ou por cesárea, e passamos todas as dores, seja do trabalho de parto ou da recuperação da cirurgia, somos nós que amamentamos por meses ou anos, e por consequência temos que acordar por várias vezes à noite durante tanto tempo.

É muito importante que as mulheres reconheçam toda sua dedicação e esforço e se valorizem. E que dessa forma se sintam que elas se sintam confiantes e seguras pra exigir, com carinho é claro, um reconhecimento por parte de seus parceiros. Eu acredito que seja mais do que justo e o mínimo que os homens possam fazer por nós em consideração a tudo que nós mulheres passamos para garantir a reprodução da humanidade. Eu sinceramente espero que as mulheres e homens se informem mais e que os homens passem a contribuir dessa pequena forma para nos poupar de mais esse esforço e sofrimento que é a cirurgia de laqueadura tubárea.

Eu imagino essa mulher, que além de tudo que citei também passou por grandes perdas e com certeza teve mais dificuldade pra lidar com elas porque foi ela quem gerou, foi seu corpo que passou por uma transformação e por um trauma, e simplesmente não consigo entender a atitude de seu companheiro. Não consigo ver nesse homem onde está o carinho, o cuidado, a valorização de sua companheira, e a gratidão pelo que ela lhe proporcionou. Gostaria de acreditar que é somente falta de informação, que esse homem nunca teve a intenção de ser egoísta e ingrato. 

Por esse motivo, estou escrevendo esse post, pra trocar algumas informações, pra questionar homens e mulheres sobre sua postura em relação à reprodução e à contracepção, que fica SEMPRE na responsabilidade das mulheres. Não é justo e espero que algumas mulheres se conscientizem dessa injustiça.

PS: Procurarei melhorar esse post inserindo artigos ou informações confiáveis sobre as questões levantadas.


http://www.celsomarzano.com.br/si/site/0909

Vasectomia ou Laqueadura? A laqueadura é uma cirurgia de maior porte, por ser intra abdominal, de maior custo por necessitar ser realizada em ambiente hospitalar e também na esfera emocional, a mulher aceita menos o fato de não poder ser mãe novamente, mesmo que naquele momento tenha decidido pelo procedimento. Não todas, mas muitas mulheres têm problemas emocionais neste aspecto a médio e em longo prazo.
A vasectomia é uma cirurgia simples, ambulatorial (não precisa de internação), feita com anestesia local, em que o paciente sai andando, necessitando de um repouso relativo por dois dias. O custo é menor e a recuperação é rápida. Muitas vezes pelo medo do homem e por preconceitos, a opção vai para a laqueadura.

Tuesday, 9 September 2014

Gradiva, A Mulher que Anda

Eu fiquei fascinada quando, 11 anos atrás, estudando Freud para concursos, me deparei com a história da Gradiva. A história em si não tem muito sentido, uma novela de Wilhelm Jensen, em que um arqueólogo se depara com uma escultura em baixo relevo de uma mulher caminhando graciosamente, e lhe dá o nome de Gradiva (baseada no deus romano Mars Gradivus - deus da guerra caminhando para a batalha). Ele fica fascinado por essa escultura e mais tarde sem saber ao certo se era sonho ou realidade, se encontra com ela nas ruínas de Pompéia. Ele a segue e tenta conversar com ela, mas ela não responde e segue caminhando, desaparecendo de sua vista. Essa história acabou ficando famosa porque Sigmund Freud escreveu um artigo analisando as ações e os sonhos do personagem. Após o ensaio de Freud, "A Gradiva: A mulher que anda", se tornou uma figura mitológica moderna. 

O que me intrigou na história da Gradiva foi a descrição da tal escultura. Somente agora muitos anos depois eu fui ver a imagem, mas quando li sua descrição eu imaginei uma mulher linda e enigmática, ele dizia que ela olhava meio que pra frente meio pro chão, mas era um olhar fixo, com um pé na frente como a dar um passo porém aparentemente sem pressa. Eu pensei, ela deve estar preocupada, pensando em outra coisa, por isso não olha pra frente, mas ela pode estar focada em algum pensamento, o que será?? Minha imaginação viajou, sem saber muito o porquê eu me apaixonei por essa figura, ela parecia que tinha muito a me dizer.

Pensando em um nome criativo para o meu blog, a Gradiva de repente me veio à mente, ela pra mim representa a feminilidade, ela aparenta calma e sutileza, mas ela também tem preocupações, porém estas não a impedem de seguir em frente, e ela continua caminhando, graciosamente. 

Assim me vejo e assim vejo muitas mulheres à minha volta, ainda há muita discriminação e injustiça contra as mulheres em todo o mundo, porém não podemos perder a esperança da mudança, e devemos continuar lutando, caminhando...Mas também não acredito que devemos lutar ferozmente com unhas e dentes para conquistar nossos direitos e liberdades. Acho que isso pode ser feito com carinho e graciosidade. 

Nesse blog quero passar um pouco da minha história, das minhas visões de mundo, assim como das histórias e visões de outras mulheres que tocaram minha vida de alguma maneira.

Graciosamente
Adelita Monteiro :)

Histórias de mamãe

Minha mãe sempre disse que quer escrever um livro. Espero muito que ela consiga alcançar esse objetivo. Pra incentivá-la, eu sugeri que ela escrevesse memórias de sua infância, que pelo que ela me diz foi uma infância muito difícil, de muita luta e sofrimento, mas ao mesmo tempo ela dizia que tinha recordações muito especiais de uma vida simples no campo. Aí estão alguns capítulos da história da vida de mamãe, essa pessoa tão única e especial! Fiquei muito emocionada ao ler.


Primeira Lembrança

Havíamos mudado há pouco tempo para aquele novo sítio. Em toda pedra grande que eu encontrava eu escrevia o número 7. Era a minha idade! Essa é a lembrança mais antiga que guardo minha memória. Meu pai havia vendido uma linda e grande fazenda para pagar as dívidas e com o dinheiro que sobrara ele comprou esse sítio onde entäo morávamos. Era uma casa plantada no meio da terra. Não havia pomar, não havia nada. Tudo havia de ser construído. O pomar começou a ser plantado, uma pequena lavoura de café, também foi plantada bem próxima da nossa casa. Tínhamos um poço de onde uma ariete mandava a água pra nossa casa. Próximo deste havia um outro para as vacas. Nós o chamávamos de aguada. Isso significa lugar onde o gado bebe a água. Mamãe plantara uma horta de verdura e criva galinha. Daí vinha nosso alimento. Durante a semana, verdura, ovos, arroz e feijão e aos domingos comíamos frango. No café da manhã sempre o leite vindo direto do curral. Algumas vezes tínhamos biscoito que mamãe fazia. Lembro-me de sentir fome no período da tarde e saíamos a procura de alguma coisa pra comer. Sinto até hoje o sabor de um pepino que comemos achado na lavoura de café. Nunca mais comi algo tão saboroso! Me faz lembrar uma história que mamãe contava de homem muito faminto que comera mingau de pedra e achara delicioso! Ela sempre completava: a melhor mistura é a fome!  E era mesmo! Aquele pepino era melhor do que qualquer fruta naquela hora! E assim vivíamos naquele sítio. O sete era o meu número! Eu o escrevia com um pedaço de tijolo em todas as pedras que encontrava! 


Lembranças de minha Infância - parte 2


Assim, vivíamos,  eu, papai, mamãe, uma irmã mais velha que eu, que sempre estava a ajudar na lida da casa, um irmão mais velho e dois mais novos que eu. E foi com esses três irmãos que vivi todas as aventuras de minha infância. As vezes pescávamos lanbari no poço usando peneiras, as vezes  matávamos passarinho com estilingues, e sempre era uma festa fritá-los ou cozinhá-los para comermos. Lembro-me de uma vez que enchemos a peneira de lambaris, esse dia foi uma festa! Papai possuia dois cavalos, e as vezes saíamos para o pasto a procura deles. Näo levávamos nem sela nem freio. Segurámos na clina, e íamos dando tapinhas na face do cavalo quando queríamos virà-lo. O sitio media 21 alqueires de terra e uma estrada o cortava ao meio. Sempre íamos pouco mais dessa estrada, pois ouvíamos  os lobos uivando mais em cima e sentíamos medo de ir além. Mas um dia criamos coragem e aventuramos pasto acima! E esse dia atingimos o final das terras. Sinto até hoje o gosto daquela conquista! Eu olhava a cerca e näo podia acreditar! É como se hoje após visitar todos os países do mundo eu estivesse chegando no ùltimo deles! Aquele sítio era o nosso mundo e nós acabávamos de conhecê-lo todo! Foi maravilhoso! Mas nem sempre era só alegria. Algumas vezes caíamos do cavalo e quebrávamos o braço. E isso se tornou täo comum prá nós que quando um caía, o outro já verificava correndo se esse havia quebrado o braço. Quebrou, quebrou? Näo? Entäo voltava-o pro cavalo e continuávamos o  passeio! Mas quando esse dizia, acho que sim, e sempre essa resposta vinha acompanhada de choro, voltávamos entäo cabisbaixos e temerosos. Mas mamäe mesmo enfaixava com clara de ovos e panos e ficavamos bons. Mas das três vezes que isso aconteceu comigo só uma tive que procurar o médico. Então meu pai me levou prá Ribeiräo Preto a 150 km de nosso sítio. Ah, mas que beleza! Eu nunca havia ido lá antes. E ficamos num hotel! Até hoje quando quero arrumar uma cama mais bonita eu faço como eu vi naquele dia a cama do hotel! O lençol estendido, o travesseiro próximo a cabeceira e o cobertor em forma de flor no meio da cama! Oh, como foi bom quebrar o braço! Eu nunca dormiria num hotel se isso não tivesse acontecido! E a noite entäo, melhor ainda! Fomos ao cinema! Primeira vez naqueles oito ou nove anos de vida. Assistimos o filme do Mazaropi: o vendedor de lingūiça. Como eu ri, como me diverti! Até hoje lembro o filme em detalhes! Ah, se fosse prá ser sempre assim, eu queria quebrar o braço toda semana! No outro dia fomos ao hospital. De lá eu tenho pouca lembrança pois o dia anterior usou todo espaço da minha memória! E entäo estávamos de volta, e a vida continuava como antes...

O Amor de Minha Infância


Nós éramos oito irmäos, mas os  três mais velhos foram morar em Ibiraci, uma cidadezinha pequena a 10 km do sitio. Papai era professor e possuia uma escola que funcionava na sala da nossa casa. Todos nós estudamos com ele até o final da quarta série primária. Os meninos da redondeza vinham diariamente para as aulas. Todos na mesma classe, da primeira até a quarta série. Sentávamos em volta de uma mesa. Uma pequena lousa na parede, papai explicava ou passava a matéria prá uns enquanto os outros faziam exercícios. Todos aprendiam! No final da quarta série tínhamos que ir ao Grupo escolar de Ibiraci para fazer os exames e adquirir o DIPLOMA! E eu o fiz conseguindo o primeiro lugar! Mas muitos alunos contentavam apenas em aprender a ler e escrever. Muitos näo iam fazer os exames e outros nem terminavam a quarta série. Os pais queriam apenas que eles soubessem ler, escrever e fazer contas. Quando papai näo podia dar as aulas, mamäe  o fazia no seu lugar e todos gostavam pois ela era menos brava! Eu sempre gostei muito de estudar, sempre estudava além do exigido. As notas eram dadas de 0 a 10. E eu sempre tirava 10. Mas meu pai era muito rígido ao avaliar, e as vezes por falta de um acento, mesmo que a prova näo fosse de português ele descontava um décimo. E eu tirava 9,9 e entäo chorava muito, näo me conformava! E até hoje vejo isso na minha vida! Näo quero nada 99 por cento. Tudo tem que ser 100 por cento! É claro, naquilo que é importante prá mim. Aquilo que näo é de muita importância, também näo me importo com a avaliaçäo. E foi aí entre essas crianças que tive o único amor da minha infancia. Ele era lindo! Mais ou menos da mesma idade, e todos sabiam do nosso amor. Seu apelido na escola era "Bolacha" e por isso me apelidaram "Bolachinha". Quando ele faltava às aulas, eu ficava quieta, apagada, e entäo eles caçoavam: " a Bolachinha tá triste porque o Bolacha näo veio!" e era verdade, naquele dia näo haveria aqueles olhares cruzados na sala! E o recreio entâo? Näo teria o mesmo sabor! Näo seria o mesmo! E

o melhor dessa escola era o recreio! Ah! Como aproveitávamos! Essa meia hora era maravilhosa! E era aí que acomtecia o nosso "relacionamento"! O mais importante deles era numa brincadeira de roda: dávamos as mäos em círculo e um corria em volta com . uma pedrinha na mäo fazendo de conta que colocava atrás, e este deveria ver a pedrinha quando ela fosse colocada, deveria pegá-la, e correr em volta como o outro o fez. Se quando a pedrinha foi colocada e a criança näo viu e o que a colocou chegasse após completar a volta, ele iria prá dentro da roda e seria "o bobo".  Sempre o que colocava a pedrinha tomava o lugar deste. E entäo era aí que ficávamos de mäos dadas! Pois ele só colocava a pedrinha em quem estivesse do meu lado. E eu também sempre fazia a mesma coisa! E era muito gostoso! Aquele momento alí era quase eterno! Apertávamos as mãos um do outro e eu sentia que éramos uma só alma! Eu já sabia o que era amar! E eu amava aquele menino! Também sentia que era amada! Mas um dia eu tive que aprender que aqui tudo é eterno enquanto dura! E aquele dia que seu pai chegara prá pedir sua tranferência, pois eles mudariam para outro estado, o Paraná, e eu já conhecia todo o mapa e sabia que era muito longe, e foi aí que meu mundo desabou! Eu nunca mais o veria! E eu fiquei muito triste! E deve ter sido nesta época que decidi ser médica! Acho que quando näo vemos mais motivo nas nossas vidas começamos a querer cuidar das dos outros! E assim continuei a estudar muito e pouco a pouco a ferida foi cicatrizando... Mas meu coraçäo näo abriu mais na infância, isso só foi acontecer bem mais tarde, na minha adolecência! E eu contarei ainda quando foi que voltei a vê-lo! Mas näo hoje!...

Algumas Lembranças Tristes

Lembro-me de ter apanhado muito. De todas vezes que papai me bateu eu näo recordo os motivos, mas me lembro que ele perguntava se eu iria fazer aquilo outra vez e eu respondia que sim. Ele me batia de correia, com muita força, me deixando toda marcada, mamãe ficava louca, gritando: bobona! Diz que näo! Mas eu só dizia que não quando já näo aguentava mais. Mas de todas vezes que me lembro de ter apanhado da mamäe eu me lembro os motivos. Uma vez ela me bateu com a corda da máquina de costura porque eu havia brigado com o Mario. Desta vez fiquei com as pernas todas marcadas por muitos dias. Outra vez porque ela me obrigou buscar água na mina, e eu sempre dizia a ela: me pede que eu faço, mas eu näo gosto que me obriga. E desta vez após termos acabado de beber a água eu disse que trouxera a água da aguada e näo da mina. Mas era mentira, eu só queria provar prá ela que näo era bom me obrigar fazer as coisas. E apanhei muito mas näo disse a verdade. Outra vez apanhei porque ela me fez torrar café, eu näo queria, e após terminar eu fui ao tanque e me molhei toda com água fria. E quando torrávamos café deveríamos ficar várias horas sem mesmo molhar as mäos! E assim eu apanhava sempre, acho que até me acostumei. Mas uma vez me marcou mais acho que foi porque aconteceu após uma grande alegria. Me lembro que papai havia furado uma cisterna a uns 200 metros acima da nossa casa. Era veräo, chovia muito e também fazia muito calor. A cisterna estava derramando e havia um extenso buraco perto de casa. Eu, meus irmäos, e mais dois meninos vizinhos tivemos a idéia de trazermos a água que derramava até esse buraco. Assim fizemos um pequeno rego que conduzia a água até o buraco. Imaginem como sentíamos após várias horas de trabalho ver aquela piscina enchendo de água! A aventura era imensa! Aquele buraco de terra vermelha fazia a água limpa virar quase um barro. Mas prá nós era uma linda piscina, acho que na época näo conhecíamos piscina ainda mas sabíamos bem o que era nadar pois já o havíamos feito em córregos e poços. Mas isso era raro, e agora tínhamos a idéia de que poderíamos nadar todo dia. Estávamos radiantes diante da nossa façanha! Bem, pensei, agora é só arrumar a roupa de nadar. Os meninos usavam calça curta e assim eles nadavam. Eu devia ter nessa época uns 9 a 10 anos. O biquinho do meu peito havia começado a crescer. Era assim como se estivesse inchado. E eu já tinha vergonha de mostrá-los. Assim peguei uma tira e amarrei no peito. De calcinha e com essa tira me senti bem vestida! E pulamos, brincamos e sentimos realizados diante desta façanha! Foram horas maravilhosas! Ainda bem que näo prevemos o futuro porque se eu previsse näo teria curtido tanto! Assim que mamäe viu aquilo ficou furiosa, näo com os meninos mas comigo porque como dizia ela eu estava pelada. E aquele dia eu apanhei muito e ouvia ela dizendo: isso é prá você aprender a näo ficar pelada perto de homem! Acho que carreguei essa frase na minha mente por muitos e muitos anos! Näo que eu tivesse aprendido, muito pelo contrário, até hoje acostumo dizer que minha roupa preferida é o biquine, mas um sentimento de näo ser boa como sou, um baixo sentimento de auto-estima e tendo sido acompanhado por outros acontecimentos na minha infância isso me levou a ter que me trabalhar muito no meu interior prá que eu pudesse me ver livre ou quase desse sentimento de culpa, de carência....


O que significa para uma criança apanhar

O mundo de uma criança é muito pequeno. Seus desejos säo poucos e ela vive sempre no presente! Seu corpo é o que é de mais precioso prá ela. Quando ela apanha ela se sente violentada. E ela näo pode revidar contra os pais, näo pode xingar, näo pode expressar o que sente na hora, só lhe resta chorar. E muitas vezes nem isso lhe é permitido! Muitas vezes ouvi: calhe a boca! Feche a boca! Pare de chorar! Oh! Que tamanha volëncia! A criança tem que sentí-la e ainda reprimir! Mas ainda bem que essa maneira de educar já quase näo existe mais! Meus pais aprenderam essa maneira de educar com os meus avós, e eu também aprendi com eles e achava certo e natural educar assim. E só depois de entender o peso dessa educaçäo na minha vida é que parei de educar assim. Hoje se eu criasse uma criança näo lhe daria um tapa sequer! Ouvi dizer que a criança que apanha geralmente faz xixi na cama. E eu fiz até grande e sofri muito com isso! Tinha muita vergonha disso. E sofria mais quando minhas irmäs diziam que eu iria casar e mijar no meu marido! Ah, se as pessoas soubessem o peso de certas palavras para uma crianca elas pensariam mais antes de falar! Eu só fui entender isso quando ao me conhecer melhor me deparei com uma pessoa de baixa auto-estima, carência emocional, cheia de complexo de inferioridafe, necessitada de auto-afirmaçäo! E só eu sei quanto sofri, quanto tive que me trabalhar para me livrar de todos esses sentimentos. E me deparo ainda com circunstâncias em que esses sentimentos ainda se fazem presentes! E eu sofro muito ao pensar que näo me livrei totalmente deles! Näo falo com rancor de meus pais pois sei que a intençäo deles era me educar e já pedi perdäo a meus filhos por tê-lo feito. E mais uma vez peço: perdöem-me pela minha ignorância naquela época! Meus cinco filhos, eu amo muito vocês!